terça-feira, 8 de abril de 2008

NÃO TEMO DESAPONTAR NINGUÉM POR PRATICAR O VEGANISMO

Charles de Freitas Lima para Guia Vegano
charles@guiavegano.com

Quantas situações embaraçosas os veganos, às vezes, passam por aí... Algumas podem até comprometer suas posturas no veganismo:
“Aceite este copo de leite com chocolate”, comentou comigo, certa vez, uma colega que não sabia que não consumo nada de origem animal. Para dizer a verdade, não sei se ela sabia o que é ser vegano. Escutei isto quando estava em sua casa, ao fazer-lhe uma visita com um outro amigo que precisava conversar com ela a respeito de trabalho.
“Não, mas agradeço-lhe por ser gentil. No entanto, não consumo nenhum alimento de origem animal”, disse isto para ela sem desviar-lhe o olhar.
Mas, ela insistiu: 
“Você não sabe o que está perdendo, tá muito gostoso!”
Aí respondi:
“Não, obrigado.”
Ela não se contentou com a minha resposta.
“Puxa vida, estou querendo agradá-lo e você faz essa desfeita!”, exclamou com um tom de quem parece ter se ofendido.
Entre os veganos, quem não já passou por uma situação parecida com essa? Saber negar um favor, dependendo do contexto, não é tarefa tão fácil para algumas pessoas, ainda mais quando uma pessoa insiste em lhe oferecer algo a todo custo. Cheguei a ficar meio sem ação, porém, não fiquei sem palavras:
“Recusar um pedido de favor, mas com educação, é uma outra maneira de ser gentil, mesmo que para isso eu tenha que negar a sua oferenda. Entretanto, ofereça-me um copo de água, aí o aceitarei para que você não se sinta ofendida.”
Ela retrucou:
“Beber leite é saudável. Todo mundo bebe. Ele é rico em cálcio. O que há de errado em tomar leite?”
Após escutar essas “máximas”, parti para a seguinte argumentação:
“Vamos por partes, querida! Concordo que beber leite é saudável, desde que este leite que você esteja citando na nossa conversa seja da mesma espécie e ingerido durante o período de amamentação, embora esse período possa variar de criança para criança, mas após o desmame, não há necessidade de consumirmos leite de outras espécies, salvo em casos de risco de vida – inevitáveis à sobrevivência. Um bezerro quando se torna ‘adulto’ transforma-se num boi: acaso você já viu algum boi mamando? O ser humano insiste na mania de beber leite de outras espécies para satisfazer seu próprio interesse sem levar em consideração a ética para com os animais: será que você nunca parou para refletir sobre isso?”, após argumentar desta maneira, dei uma respirada profunda como pausa no diálogo, porque estava começando a falar rápido!
Entretanto, cabe ressaltar que beber leite de outras espécies, necessariamente, não chega a ser completamente errado por não ser natural à nossa própria espécie, e, sim, por causar danos aos animais e, mesmo que, em alguns lugares as vacas sejam supostamente tratadas com “carinho”, ainda permanece a seguinte questão: será que realmente temos o direito de usá-las para os nossos interesses? Acredito que não! Portanto, pratico o veganismo alicerçado na educação abolicionista.
Mas, de repente, ela afirmou:
“Ei, espere aí: agora você vai querer me convencer de parar de beber leite?”, indagou-me quando pausei. Contudo, o amigo que me levou à casa dela havia interrompido a nossa conversa exatamente nesse momento, chamando-me para ir num outro lugar. Percebi que ele estava querendo evitar que a nossa conversa ficasse muito apaixonada. Então aceitei sua proposta. Antes de sair da casa dela, disse-lhe que em outra ocasião terminaríamos a conversa, e ela disse:
“tudo bem!”.
Fiquei pensando sobre essa situação durante vários dias, como aquelas flutuações de pensamentos que temos de vez em quando no dia-a-dia.
Algumas semanas depois encontrei novamente com ela, e perguntei-lhe:
“Você se importaria de continuar aquela conversa a respeito do leite?”
E ela respondeu:
“Bem, não tenho muito tempo agora, mas posso lhe escutar um pouco!”

Aproveitei esse momento para falar sobre a questão do nosso relacionamento para com os animais, e como as vacas leiteiras são usadas para a satisfação caprichosa dos seres humanos. Eu estava com um livro na mão, intitulado “Aprendendo a Respeitar a Vida”, e o abri no capítulo “O que acontece com o bezerro”, li para ela o seguinte trecho:
1. São encaminhados para o abate quase que imediatamente – para serem servidos como vitela. O coalho, usado na fabricação da maioria dos queijos, é retirado do estômago de bezerros recém-nascidos. (...) 2. Podem ter uma vida ainda mais infeliz se forem para uma criação de carne branca de vitela, passar a vida presos em estreitos engradados de madeira. O espaço é tão reduzido que, após as primeiras semanas, os bezerros já nem conseguem se virar. São alimentados com uma ração líquida especial, para que cresçam o máximo em um mínimo de tempo e conservem a carne excepcionalmente branca. Não recebem as fibras necessárias ao sistema digestivo dos ruminantes, de modo que, muitas vezes, acabam comendo seu próprio pêlo e roendo os engradados. (...) Não recebem forragem para deitar-se, pois sua fome de alimentos sólidos faria com que comessem o próprio leito. Recebem apenas o mínimo de ferro necessário para mantê-los vivos, pois quantidades maiores tornariam sua carne vermelha. (...) Eles saem do engradado, ao fim de 14 semanas, com úlceras estomacais e abcessos, e suas pernas estão tão fracas que mal conseguem alcançar o caminho para o abatedouro. Os novilhos soltos, no entanto, são animais ativos e brincalhões. (...) 3. As estatísticas informam que 80% da carne produzida são um subproduto da indústria leiteira. Bezerros excedentes, muitas vezes, são vendidos com uma semana de idade (ou menos) para serem criados como gado de corte. Alimentados durante 12 semanas, principalmente de cereais, são forçados a comer demais e mantidos em confinamento para evitar que o alimento seja “desperdiçado” nas funções vitais. Desta forma, ocorre até envenenamento. (...) 4. Atualmente, com a inseminação artificial, são raros os novilhos criados para se tornarem touros. O bezerro destinado a esse fim, às vezes, pode mamar na vaca por algum tempo. Dos 10 aos 12 meses de idade, o touro serve as vacas semanalmente, passando o resto do tempo em confinamento solitário. Hoje, porém, é mais provável que lancem seu sêmen em vacas de lona e tubos de borracha. O manual do Ministério da Agricultura Britânico sobre a criação de touros recomenda um pátio junto à cocheira, com paredes através das quais eles possam olhar, pois “a monotonia pode produzir violência”. Admitem, assim, que os animais possuem vida mental e emotiva! Ao envelhecer, os touros são muitas vezes castrados e colocados em confinamento para engordar antes de chegar ao abatedouro. (...) 5. As fêmeas são criadas para se tornarem vacas leiteiras. As bezerrinhas são afastadas da mãe tão logo seja possível, para que a vaca possa “juntar-se novamente ao rebanho”. É concedido um período mínimo para que se recupere da gravidez frustrada e o seu leite possa ser aproveitado para dar lucro. (...) Alimentadas com leite artificial, as bezerras desenvolvem-se mais depressa, de modo que, com 18 a 24 meses, já podem iniciar o ciclo de uma gravidez atrás da outra. Conforme o New Scientist: “A vaca leiteira moderna leva uma vida miserável. A cada ano ela produz um bezerro, o que significa que durante nove meses está grávida. E, durante nove meses por ano, é ordenhada duas vezes ao dia. Durante seis meses está grávida e, ao mesmo tempo, produzindo leite”. Os detalhes das enfermidades que pode sofrer ao se sujeitar a essa demanda são terríveis, assim como as descrições dos remédios usados (veja os jornais rurais)” (RICHTER, 1997, p. 44-45).
Ela ficou meio espantada com essa leitura que fiz, mas mudou de assunto dizendo que ia num outro lugar porque tinha marcado um compromisso com um colega. Despedi-me dela dizendo:
“Lembre-se dessa questão com responsabilidade à ética”.

Mais aqui.

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